O homem de capuz
Vanessa acordou sobressaltada, já era a terceira vez que tinha o mesmo sonho naquela semana.
No primeiro sonho, ela viu um homem pálido e magro caminhando dentre as sombras das árvores, não era possível enxergá-lo direito devido à neve que cobria o chão e as árvores, e era da mesma cor de sua pele.
No dia seguinte, ela teve o mesmo sonho, mas, dessa vez, ela pôde ver o homem vindo em sua direção e passando por ela como se não a visse. Ele usava um capuz preto, então era muito difícil ver seu rosto. O homem misterioso continuou andando reto até entrar em uma caverna escura e desaparecer.
E agora, no último sonho, o homem notou a sua presença, veio caminhando até ela e a encarava, parecia tentar lhe dizer algo, porém não conseguia, apenas movia os lábios sem emitir nenhum som. Mesmo estando cara a cara com ela, era quase impossível ver seu rosto, o capuz cobria-o quase todo. A única coisa que Vanessa conseguiu ver foi uma cicatriz no queixo do homem, uma cicatriz que ela com certeza já havia visto, contudo, não conseguia se lembrar aonde.
Ainda processando o sonho que acabara de ter, Vanessa se levantou, desbloqueou seu celular e percebeu que havia se esquecido de programar o despertador na noite anterior. Já eram 9 horas, estava muito atrasada para o trabalho.
Ela correu para tomar um banho rápido e um café, tentando fazer o mínimo de barulho possível para não incomodar Gabrielle, sua colega de quarto que a acolheu até que as coisas voltassem ao normal…
Na pressa de sair, Vanessa acabou esbarrando em um copo, que caiu no chão e se quebrou. Um pequeno caco de vidro caiu em seu pé, fazendo um corte que, apesar de pequeno, ardia e sangrava muito. Ela correu para o banheiro e fez um curativo.
Seu pé ainda doía ao andar, mas ela estava muito atrasada e precisava correr, então pegou a chave de seu carro e saiu, torcendo para que o barulho do copo se quebrando não tenha acordado sua amiga.
Na noite anterior, Gabrielle estava de plantão, ela era médica e ficou trabalhando por 12 horas seguidas, só saiu do hospital às 5 da manhã. Quase sempre era assim, Gabrielle mal tinha tempo para descansar entre um turno e outro e vivia fazendo plantão, pois elas moravam em uma cidade pequena, e o hospital local só tinha 2 médicos. Por isso Vanessa evitava ao máximo fazer barulho quando Gabrielle estava dormindo, não queria atrapalhar seu único momento de descanso.
Vanessa finalmente chegou no trabalho, e como sempre, seu dia foi completamente entediante, 8 horas olhando para a tela de um computador preenchendo planilhas e fazendo relatórios. O tempo passava se arrastando até finalmente chegar a hora de ir para casa.
Antes de sair do trabalho, ela foi ao banheiro ver como estava seu machucado. Já havia parado de sangrar e quase não estava ardendo mais, ela conseguia andar normalmente.
Hoje é a noite de folga da Gabi, será que ela quer aproveitar e sair para comer fora? Ou talvez ver um filme? Vanessa pensava enquanto dirigia de volta para casa.
Porém, ao chegar em casa, ela percebeu que havia algo de errado. A porta estava aberta, e a Gabi nunca deixaria a porta aberta, ela sabe que o bairro é perigoso e morre de medo de ser assaltada. Ao chegar mais perto, Vanessa percebeu que a porta fora arrombada, pois a madeira ao redor da porta estava quebrada.
Ela foi se aproximando com cuidado, pensando que seja lá quem tivesse arrombado a porta, poderia estar lá dentro ainda. Ao olhar pela janela, viu que tudo estava revirado, como se alguém estivesse procurando por algo.
Vanessa deu a volta na casa lentamente, e olhou pela janela da amiga, para conferir se ela estava em casa. Ela não estava preparada para aquilo, aquela visão lhe causou um frio na espinha, Gabrielle estava no chão com o pescoço cortado, morta.
Ao ver Gabi estirada no chão, Vanessa entrou em pânico. Começou a chorar, com os olhos encharcados e as mãos trêmulas, ela pegou o celular para ligar para a polícia, mas era muito difícil ver os números, após algumas tentativas, ela conseguiu ligar e explicar, entre soluços, o que havia acontecido.
Alguns minutos depois, a polícia chegou, examinou o local, e pediu para que Vanessa ficasse em um hotel até que as investigações terminassem.
Ela procurou na internet e encontrou um lugar ali perto para passar a noite, mas antes de sair foi chamada por um policial para responder algumas perguntas.
O interrogatório durou apenas 30 minutos, no entanto, pareceram horas. “Você conhece alguém que queira te ferir, ou a sua amiga? Tinha algo de valor na casa? Onde estava quando isso aconteceu? Quem vocês conhecem que sabe onde moram?” Os policiais repetiram essas perguntas pelo menos 3 vezes, e as respostas eram sempre as mesmas:
“Não, não, no trabalho, colegas de trabalho e vizinhos…”.
Quando conseguiu sair da delegacia, Vanessa foi direto para o hotel, ela ficou o caminho inteiro pensando nas perguntas que o policial lhe fez. Como ia saber se alguém queria feri-la?
Ao chegar no hotel, ela pediu um quarto e o atendente lhe deu uma chave com o número 45, então ela foi até o quarto e se jogou na cama.
O que vou fazer agora? Não tenho para onde ir, ninguém para me ajudar, e esse assassino pode vir atrás de mim a qualquer momento… Ela pensava enquanto a imagem de Gabrielle morta, estirada no chão, não saía de sua mente.
Então Vanessa se lembrou do dia em que a conheceu.
Ela acordou no hospital com muita dor de cabeça, e uma médica linda, de cabelos longos e negros e olhos verdes, veio lhe atender.
— Olá, meu nome é Gabrielle, você sabe onde está? Qual o seu nome?
Vanessa se esforçou, mas não conseguia se lembrar de nada. Era como se seu cérebro fosse uma página em branco, não havia uma mísera informação ali.
— Eu não sei…
— Você está no hospital de Santa Cecília, em Santa Catarina. Você levou uma pancada forte na cabeça e chegou aqui desacordada. A única coisa que encontramos com você foi um cartão de crédito, que diz que seu nome é Vanessa. Por favor, descanse. Acreditamos que sua perda de memória é temporária — a médica disse, enquanto Vanessa apenas escutava e tentava processar todas aquelas informações.
Após se recuperar, Vanessa prestou queixa na delegacia e a polícia conseguiu encontrar seus documentos, no entanto, não encontraram nenhum parente e nenhuma propriedade ou bem no nome dela.
Dois meses se passaram, ela e a doutora ficaram amigas e, como não tinha para onde ir, Gabrielle a chamou para morar em sua casa e conseguiu um emprego para ela, passando os relatórios antigos do hospital para o computador.
E agora Gabrielle estava morta, mas por quê? O que estava acontecendo? Vanessa tentava desesperadamente se lembrar de qualquer coisa que pudesse ajudar a entender isso tudo, mas não conseguia.
Ela estava muito cansada e já era de madrugada quando finalmente caiu no sono.
Vanessa estava novamente no bosque, quando o homem saiu de um lugar escuro entre as árvores e correu em sua direção, dessa vez, seu capuz estava abaixado. Ele chegou até ela e a olhou profundamente nos olhos, os olhos dele eram pretos, seu semblante era de desespero e tristeza, tinha medo em seu olhar, ele colocou a mão no ombro de Vanessa e seus lábios começaram a se mover, mas dessa vez, Vanessa conseguiu ouvi-lo. Ele dizia, cochichando:
— Me desculpe, eu sinto muito.
Nesse momento ela acordou e lembrou-se que, no hospital, Gabriella havia lhe dito que sonhos podem ser fragmentos de memórias tentando se encaixar. “Mas por que aquele homem me pediria desculpa? O que isso pode significar?” ela pensou, contudo, nada parecia fazer sentido, era como se ela estivesse montando um quebra-cabeça, só que as peças não se encaixavam.
Até que ela chegou a conclusão de que, talvez, se ela encontrasse o bosque com que havia sonhado, poderia encontrar o homem de capuz, e assim ele lhe explicaria o que aconteceu.
Isso é loucura, pensou, eu nem sei quem ele é, se estará lá ou se sequer existe. No entanto, ela não tinha nenhuma outra pista, então, por mais louca que parecesse a ideia, ela decidiu tentar. Mas por onde começar? Quantos bosques devem haver no mundo?
Ela teve uma ideia, pegou seus cartões de crédito, tentou ver a fatura pela internet e descobriu que não tinha feito nenhuma viagem internacional recentemente, oque reduziu a sua busca para... O país inteiro.
Vanessa pesquisou todas as florestas do estado, torcendo para que fosse um lugar próximo ao que ela foi encontrada. Após alguns minutos de busca, ela viu uma imagem de um lugar que se parecia muito com o de seus sonhos. A floresta se chamava 3 barras, e ficava em uma cidade de mesmo nome, ao norte do estado.
Ela anotou um endereço, encontrou um hotel naquela cidade para ficar, e, no dia seguinte, pegou seu carro e começou a dirigir. De acordo com a internet, o trajeto mais rápido levaria em torno de 2 horas, mas ela estava tão ansiosa por respostas, que não se importou de ultrapassar o limite de velocidade.
Enquanto dirigia, seu coração palpitava rápido, e seus olhos novamente se encheram de lágrimas. Vanessa não conseguia parar de pensar em tudo o que aconteceu nos últimos meses. Desde que acordara naquele hospital, ela vivia angustiada, era horrível não conseguir se lembrar quem era ou de onde veio… A única pessoa que a ajudou foi Gabrielle, era sua única amiga, e agora estava morta.
A mente de Vanessa estava tão ocupada com todos esses pensamentos, que nem prestou atenção no caminho, que levou 2 horas e meia, mas para ela, pareceram apenas alguns minutos.
Ainda envolta em todos esses pensamentos, ela entrou no hotel, pegou a chave de seu quarto, deixou suas coisas lá e abriu o GPS de seu celular.
Já estava na hora de obter respostas, ela pensou, e começou a andar em direção ao bosque que ficava ali perto.
Ao entrar no bosque, Vanessa ficou perplexa. Era exatamente igual aos seus sonhos! A mata era fechada e escura, alguns fios de luz do sol passavam pela vegetação e iluminavam o lugar, permitindo que ela enxergasse algumas sombras à frente. Apesar da pouca visibilidade, ela tinha certeza de que já estivera ali antes, e não apenas em seus sonhos.
Tentou olhar ao redor e encontrar algum caminho parecido com o que viu em seus sonhos, mas era impossível.
— O que eu faço? — pensou em voz alta
Se continuasse andando, poderia se perder, pois não sabia o caminho, se voltasse para casa, nunca teria as respostas que buscava.
Vanessa ficou algum tempo avaliando os prós e contras de seguir com a busca, quando percebeu algo estranho, uma das árvores um pouco a frente, tinha um pequeno risco amarelo, como se alguém tivesse passado um pincel de maquiagem ali. Ela foi até a árvore examinar e reparou que era algum tipo de tinta. Essa descoberta fez um estalo em seu cérebro. Ao olhar ao redor, encontrou mais uma árvore com um risco amarelo, e mais uma, e mais uma… Sua teoria estava certa! As árvores indicavam o caminho de algo, alguém as fez para não se perder! Mas quem?
Não tinha como saber, poderia até mesmo ter sido ela própria já que não se lembrava de quem era ou o que fazia antes de acordar no hospital.
Isso não importa agora, Vanessa pensou enquanto seguia a trilha. Ela caminhou durante 23 minutos, entrando cada vez mais na floresta, até que a trilha acabou. A última árvore da trilha estava em frente ao que parecia uma grande parede de pedras coberta com alguns galhos e folhas.
Ela estava examinando o lugar quando foi atingida por uma pancada forte na cabeça, e ficou inconsciente.
Horas depois, ela acordou no hospital, com muita dor de cabeça, mas feliz, porque, pelo menos dessa vez, não perdeu a memória. Vanessa perguntou ao médico quem a havia atacado, porém, ninguém sabia. Aparentemente, alguém a viu sendo arrastada desacordada para dentro de um carro e chamou a polícia, então o agressor fugiu, a deixando na beira da estrada.
A polícia lhe perguntou o que ela estava fazendo ali, e ela disse não se lembrar. Não queria mentir, entretanto, se eles soubessem o porquê dela estar ali, não iriam deixá-la voltar para a floresta, pois seria muito perigoso, e ela nunca obteria respostas.
Quando foi liberada do hospital, ela voltou para o hotel e, ao chegar, encontrou a porta de seu quarto arrombada e suas coisas espalhadas pelo chão.
De novo? O que está acontecendo? Ela se perguntava.
Vanessa decidiu ir tomar um banho e descansar, mas as dúvidas não saiam de sua mente.
Alguém quer algo que deveria estar comigo, isso eu sei, mas o quê? Por quê? E, se não está comigo, onde está?
Seja lá o que for que o invasor estivesse procurando, era importante o suficiente para causar a morte de Gabrielle… Se ela não tivesse me ajudado, estaria viva.
Novamente ela começou a chorar, enquanto se lembrava do último final de semana antes do ocorrido. Elas estavam assistindo “Velozes e Furiosos” juntas, e Gabrielle se aproximou dela, ela estava próxima demais, seus lábios macios vinham lentamente em sua direção. Vanessa podia sentir o cheiro do perfume de jasmim, que tinha um aroma doce e delicado, e ver a mancha marrom na íris dos olhos verde-esmeralda de Gabi. Cada detalhe dela era perfeito. Vanessa sentiu as mãos macias de Gabrielle em seu rosto e fechou seus olhos, esperando pelo que aconteceria em seguida. Elas se beijaram. Aquela foi a melhor noite da vida de Vanessa, e, ela não sabia, mas foi a melhor noite de Gabrielle também.
No dia seguinte, Vanessa acordou cedo e foi direto para a floresta, para resolver esse mistério de uma vez por todas. Sabendo do risco que corria, levou um spray de pimenta e um canivete que havia ganhado de Gabrielle. Ela insistia que Vanessa sempre andasse com eles, pois a cidade em que moravam era muito perigosa.
Enquanto seguia a trilha das árvores, viu uma sombra se movendo, parecia vir em sua direção. Ela puxou rapidamente o spray de pimenta, quando percebeu algo, ela conhecia aquela pessoa. Quem vinha em sua direção era o homem de capuz.
Vanessa até cogitou fugir, mas a curiosidade foi mais forte.
— Quem é você? — ela perguntou enquanto ele se aproximava.
— Aqui não, não é seguro, ele pode voltar. Fuja! — disse o homem, com uma voz rouca.
— Ele quem? Fugir do quê? — Vanessa questionou, confusa.
O homem não respondeu, apenas pegou as chaves dela, a levou para o seu carro e começou a dirigir. Durante o caminho, ela fez várias perguntas, mas ele não respondia, parecia estar desligado do mundo, prestava atenção apenas no caminho, nada mais.
Ele é exatamente igual ao homem do meu sonho, Vanessa pensava. A cor da pele, os lábios, e, principalmente, a cicatriz no queixo. Ela com certeza já o vira antes, eles se conheciam, ela tinha certeza disso. Apesar de não se lembrar quem ele era, ela sentia que podia confiar nele.
Alguns minutos depois, o portão de uma casa se abriu, e o homem estacionou o carro na garagem.
A casa era grande, as paredes amarelas com várias plantas penduradas. Vanessa já estivera nessa casa, mas, mais uma vez, não se lembrava de quando ou por quê.
Os dois entraram na casa, a porta de entrada levava para a sala, que era bem colorida e iluminada, e havia uma pequena mesa de centro com algumas molduras, porém, elas estavam vazias, não havia nenhuma foto ali.
— Meu nome é Gabriel, eu sou seu irmão — o homem falou, de repente.
Vanessa nem sabia o que pensar. Será que ele estava falando a verdade? Ela se perguntou, e Gabriel pareceu ler sua mente.
— Sei que acabou de me conhecer e é difícil confiar em mim, pode fazer um exame de DNA se quiser. Sei também que tem muitas perguntas, e eu prometo que vou te explicar tudo. Por que não vamos para a cozinha? Gostaria de uma xícara de café?
— Sim, por favor.
Os dois se sentaram na mesa da cozinha, e, enquanto Vanessa bebia seu café e comia um bolo de cenoura que Gabriel ofereceu, ele começou a falar:
— Por onde começar… Nós dois morávamos aqui, e trabalhávamos para um laboratório farmacêutico pesquisando vacinas, quando recebemos uma ligação de um instituto de pesquisas federal pedindo nossa ajuda. Acontece que, um pesquisador descobriu uma forma de modificar o vírus da gripe para torná-lo extremamente letal, felizmente, as autoridades encontraram os frascos com o vírus modificado e o cientista que o criou, Luís, foi preso. Mas centenas de pessoas já haviam sido infectadas e estavam morrendo rapidamente e contaminando outras pessoas, então o governo precisava de toda a ajuda possível para deter esse vírus. — Ele parou para tomar um gole de café.
— Nós começamos a trabalhar na cura o mais rápido possível e o governo nos trouxe uma amostra do vírus para podermos estudar. Um dia, eu fiquei até tarde no laboratório trabalhando na pesquisa, e acabei vendo André, um dos nossos assistentes, tentando pegar um dos frascos com o vírus. Foi assim que descobrimos que ele, na verdade, trabalhava para o Luís, e estava tentando ajudá-lo a recuperar uma amostra e concluir o seu plano de contaminar o mundo.
— Espera um pouco — Vanessa o interrompeu — Por que alguém criaria algo assim?
— Eles acreditavam que a população global precisava ser diminuída, pois se continuasse crescendo, não haveria água e alimento para todos. Por isso querem infectar a maior parte da população. Aparentemente, eles já criaram uma vacina, e estavam esperando o vírus matar pessoas o suficiente antes de divulgá-la. Pelo menos é isso o que a polícia acredita, porém, estão procurando há meses e ainda não descobriram a onde eles esconderam essa vacina.
— Isso é loucura… E o que toda essa história tem a ver com eu ter perdido a memória?
— Quando percebemos que não era seguro deixar o vírus no laboratório, você sugeriu deixarmos em um cofre na nossa antiga casa, que fica na floresta. Nós estávamos indo para lá, mas eu ouvi algo se movendo e sai da trilha, logo após, o André te encontrou e te atingiu na cabeça com um taco de basebol. Achando que o frasco estava com você, ele te levou para o laboratório dele, que fica na cidade em que você mora agora. Assim que chegaram lá, enquanto ele tirava algumas coisas do carro, você recobrou a consciência e conseguiu fugir. Um carro que estava passando te levou ao hospital e contou essa história para a polícia.
— Então vocês sabiam onde eu estava e quem eu era? Por que nunca veio atrás de mim? E se você é meu irmão, por que a polícia não encontrou ninguém quando procuraram meus parentes?
— O André te seguiu por algum tempo, e quando ele percebeu que você perdeu a memória, te deixou em paz. Achamos que seria mais seguro manter as coisas assim até ele ser preso e termos a vacina. Por isso a polícia “apagou” todos os meus dados, assim você não viria atrás de mim. Pelo menos esperávamos que não…
— E o que aconteceu com ele? Por que está atrás de mim agora?
— Ele está desesperado. Conseguiu se esconder da polícia por todo esse tempo, mas foi preso 10 dias atrás. Porém, ele conseguiu fugir. Agora ele quer recuperar o vírus o mais rápido possível, e aparentemente ele ainda acha que pode estar com você, ou que pelo menos você tenha alguma pista de onde esteja.
— Meu Deus… Não sei nem o que dizer. É difícil acreditar nessa história maluca.
— Eu entendo, mas aos poucos você vai se lembrar. Deve estar cansada, por que não dorme um pouco? Seu quarto é bem ali. — ele falou enquanto apontava para uma porta no final do corredor. — Juro que não mexi em nada enquanto esteve fora, sei que você me mataria se eu fizesse isso — ele riu.
Vanessa entrou em seu quarto, as paredes eram roxas e havia poucos móveis, apenas uma cama, um guarda-roupa pequeno e uma mesa de cabeceira com algumas fotos dela e do Gabriel quando eram crianças.
Olhando as fotos ela se lembrou do dia em que andou de bicicleta pela primeira vez, Gabriel prometeu que iria segurá-la, no entanto, quando ela começou a pedalar ele a soltou, achando que ela conseguiria sozinha e ela acabou caindo.
Levou muito tempo até ela tomar coragem de tentar de novo, seu irmão ficou insistindo por meses, até que ela aceitou e conseguiu, aprendeu a andar de bicicleta. Ele realmente era seu irmão.
Será que toda aquela história que ele contou era verdade? Ela se perguntou um pouco antes de cair no sono.
Vanessa estava na sala assistindo TV quando seu irmão chegou em casa com o olho roxo e um corte feio no braço.
— O que aconteceu? — ela perguntou.
— Acabei de descobrir que um dos nossos assistentes estava tentando roubar o vírus, consegui impedi-lo, mas nós brigamos e eu acabei me machucando.
O celular de Vanessa despertou e ela acordou. Não foi só um sonho, ela estava começando a se lembrar de tudo. Ela realmente era pesquisadora e tudo o que Gabriel falou era verdade.
Aos poucos as memórias foram vindo, ela se lembrou da sua infância, de como ficou feliz quando descobriu que teria um irmãozinho, da morte da sua mãe durante o parto e do câncer de seu pai. Seu pai falecera quando ela tinha 22 anos, e seu irmão 18. Os dois trabalhavam e estudavam para se manter, porém, a casa em que moravam era velha demais, então acabaram comprando uma casa nova, mas nunca se desfizeram da antiga. Eles tinham muitas memórias boas naquele lugar, a casa ficava bem no meio da floresta, e eles adoravam correr e brincar lá.
Vanessa também se lembrou de quando sua vida mudou para sempre, o dia em que descobriram sobre o vírus e começaram a trabalhar incessantemente na vacina.
Finalmente! Eu consegui finalmente as respostas que tanto queria! Consegui me lembrar! Pensou Vanessa, ainda processando todas as informações.
Ela se levantou, lavou o rosto e foi até a cozinha. Seu irmão já havia acordado e estava preparando o café da manhã.
Eles se serviram e Vanessa falou:
— Eu me lembrei… Me lembrei de tudo.
— Que bom! Estava torcendo para que quando me encontrasse, suas memórias começassem a voltar. Fico feliz em saber que deu certo.
— Sim, eu também. Já não aguentava mais não saber nem quem sou — Ela suspirou, aliviada — Posso te fazer uma pergunta? Por que os quadros da sala estão vazios?
— Ah, os quadros tinham fotos nossas de quando éramos crianças e adolescentes, mas depois que tive que cortar o contato com você, não aguentei mais olhar para elas. Era horrível me lembrar de tudo e saber que agora você tinha uma vida completamente diferente e nem se lembrava de mim.
— Entendo… Sinto muito que tenha sido assim. Quer saber, por que não colocamos as fotos de volta?
— Ótima ideia, vou buscá-las.
Eles estavam colocando as fotos de volta no lugar, quando o celular do Gabriel tocou.
— Alô, quem fala? É ele, por quê? Sei… Entendo… Certo, estamos indo.
— O que aconteceu? — Vanessa perguntou.
— Precisamos ir, os pesquisadores criaram uma vacina para o vírus!
— Ótimo, e o que nós temos que fazer?
— Nós vamos ajudar a testar as vacinas, mas, principalmente, agora temos que ir buscar a amostra de vírus que tínhamos guardado na outra casa. Nós havíamos guardado ela para poder estudar e desenvolver a vacina, mas agora que já a temos…
— Não precisamos mais dela — Vanessa completou.
— Exato, e por uma questão de segurança, a agência de saúde pediu para nos livrarmos do vírus o mais rápido possível.
— Certo, então devemos levar ao laboratório e incinerar?
— Exatamente.
— O que aconteceu com as pessoas que se infectaram? Me lembro que eram muitas.
— 468, eram 468 pessoas, e todas elas morreram. Fizemos de tudo, mas o vírus não tem cura, não conseguimos ajudar ninguém…
— Meu Deus… Bom, ainda podemos salvar os que ainda não se infectaram, é melhor irmos.
— Tem razão, vamos acabar com isso logo, para que nossa vida volte ao normal.
Os dois foram em direção à floresta, se divertindo e falando sobre memórias passadas durante o caminho.
Alguns minutos depois, já estavam seguindo a trilha. Enquanto andavam, Vanessa foi se lembrando de várias memórias que teve ali, especialmente do dia em que fizeram os riscos amarelos nas árvores. A floresta estava crescendo muito e ninguém mais andava ali, então as trilhas estavam sumindo, por isso eles decidiram pintar as árvores, assim sempre saberiam o caminho.
Quando chegaram ao final da trilha, se depararam com os galhos, exatamente como da última vez. Começaram a retirar os galhos, e aos poucos uma casa pequena e de pedra foi se revelando. Claramente ninguém entrava lá há muito tempo, estava empoeirada e cheia de rachaduras, mas continuava tão linda quanto quando eles eram crianças.
— Antes de te encontrar, eu tive várias vezes o mesmo sonho, onde você andava em minha direção e me pedia desculpas. Por quê? — Vanessa perguntou, interrompendo o silêncio.
— Quando você estava inconsciente no hospital, eu fui te visitar e te pedi desculpas, porque se eu não tivesse te deixado sozinha na floresta naquele dia, talvez nada disso teria acontecido.
— Não tem como saber… E você mesmo me disse que foi mais seguro eu ficar longe de tudo.
— É, você está certa, mas eu não sabia disso na época.
Já estavam dentro da casa, quando Vanessa olhou pela janela e viu algo se mexendo do lado de fora. Ela mostrou para Gabriel, e eles logo perceberam que era o André.
— Eu fico aqui e enrolo ele, enquanto isso você vai para o laboratório e se livra do vírus. — Falou Vanessa.
— Tem certeza?
— Claro, agora vamos, não temos muito tempo.
— Certo.
Gabriel foi até o antigo quarto de seu pai, abriu um cofre de madeira e pegou um frasco.
— Vou ligar para a polícia no caminho, se esconde no banheiro, é a única porta com tranca. — Ele disse.
— Eu me lembro, pode deixar.
— Se cuida — Gabriel falou e saiu correndo de volta para o carro.
— Você também — ela respondeu.
Vanessa estava trancada no banheiro quando André entrou na casa, ele era um homem alto e musculoso, não teria dificuldade em derrubar aquela porta.
Ele andou pela casa lentamente, procurando por Vanessa ou por algum sinal do frasco com o vírus. Entrou em cada um dos 3 quartos, vasculhando cada canto, até que percebeu que havia uma porta trancada.
— Eu sei que você está aí, saia logo!
Nenhuma resposta. André então se jogou contra a porta, que já estava velha e abriu facilmente.
— De pé, agora! — ele disse, apontando uma arma para ela.
— Tudo bem, calma — ela disse enquanto erguia as mãos e saia do banheiro lentamente.
— Você está cercado, largue a arma! — gritou um policial, atrás dele.
André olhou ao redor e percebeu que havia policiais de todos os lados, então agarrou Vanessa, apontou a arma para a cabeça dela e a usou de escudo humano.
— Larguem as armas ou ela morre!
Os policiais lentamente abaixaram as armas.
— Onde está o frasco? — ele perguntou.
— Nunca vai saber — Vanessa respondeu.
— Fala logo! Você quer morrer? — ele gritou, mas não obteve resposta.
Alguns segundos depois, a polícia prendeu o André.
Gabriel dirigiu o mais rápido que pôde, chegou ao laboratório em 20 minutos e entregou o frasco para a agente. Enquanto ela levava o frasco para incinerar, Gabriel recebeu uma ligação da polícia. Sua irmã havia se negado a falar a localização do frasco, e levou um tiro na cabeça. Estava morta.
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